22/05/2025
Prof. Dr. Adelcio Machado dos Santos Crítico de Arte
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Duna – O islã em filme

Em primeiro lugar, a obra “Duna”, escrita por Frank Herbert e adaptada ao cinema em diversas ocasiões configura-s em relevante contributo à ficção científica. A riqueza do universo criado por Herbert é visível em suas intricadas políticas, ecologia detalhada e culturas multifacetadas. Um dos aspectos mais notáveis e que frequentemente atrai a atenção de estudiosos e fãs é a profunda influência da cultura e religião islâmica na construção do mundo de *Duna*. Desde palavras até temas centrais, a obra se entrelaça com referências que remetem diretamente ao Islã e às tradições árabes, algo que também transparece nas adaptações cinematográficas.

Destarte, uma das influências mais visíveis do Islã no universo de *Duna* está na linguagem e nos termos empregados. O planeta desértico de Arrakis, conhecido por ser a única fonte da especiaria “melange”, é habitado pelos Fremen, um povo nômade cuja cultura é marcada por um vocabulário que remete fortemente ao árabe e ao Islã. O nome “Arrakis”, por exemplo, evoca a cadência e sonoridade da língua árabe. Além disso, termos como “Mahdi” (líder messiânico no Islã) e “jihad” (esforço espiritual ou guerra santa) aparecem de maneira proeminente. Em *Duna*, a palavra jihad está profundamente enraizada na trama, sendo a “jihad butleriana” um evento crucial na história que proíbe o uso de máquinas pensantes e dá início a uma nova era de valorização do intelecto e das capacidades humanas. Mais adiante, Paul Atreides, o protagonista, lidera uma jihad que transforma o destino de Arrakis e da galáxia, um paralelo claro com a noção islâmica de luta sagrada, embora no universo de *Duna* a jihad seja apresentada de maneira mais complexa e multifacetada.

Outrossim, na figura messiânica reside outro aspecto que destaca a influência islâmica na obra. Paul Atreides é tratado como o Muad’Dib pelos Fremen, uma espécie de salvador esperado por eles, que remete diretamente à figura do Mahdi no Islã, o redentor que levará justiça ao mundo. Essa construção do herói messiânico, que guia um povo oprimido através de provações espirituais e políticas, ressoa com a tradição islâmica e árabe de um líder ungido que liderará uma revolução moral e social. As visões de Paul, sua conexão mística com a “melange” e o caminho inevitável que ele percorre também reforçam essa semelhança, à medida que ele assume o papel de líder profético.

Ademais dos termos e das figuras messiânicas, a estrutura social dos Fremen e suas práticas religiosas também encontram ecos na cultura beduína e em práticas muçulmanas. O estilo de vida nômade dos Fremen, sua relação íntima com o deserto e seu senso de comunidade coletiva e espiritual são paralelos claros com os povos do deserto árabe. A reverência pela água, que é extremamente escassa em Arrakis, é tratada quase de forma sagrada, refletindo a maneira como os povos que vivem em regiões áridas tratam seus recursos essenciais. A ideia de sobrevivência, sacrifício coletivo e disciplina espiritual permeiam tanto a vida dos Fremen quanto a dos povos nômades do Oriente Médio.

As adaptações cinematográficas de “Duna”, especialmente a versão de 2021 dirigida por Denis Villeneuve, também realçam essas influências islâmicas e árabes. O visual do filme, com suas paisagens desérticas e figurinos que evocam as roupas tradicionais do deserto, sublinha ainda mais essa conexão cultural. Embora o filme tenha optado por não explorar todas as nuances teológicas e culturais do Islã, a estética e os temas centrais da história de Herbert continuam presentes. A fotografia de vastos desertos, os trajes e as estruturas sociais dos Fremen reforçam a inspiração árabe. Mesmo a trilha sonora, com tons de canto gutural e uso de instrumentos tradicionais, remete a sons do Oriente Médio, imergindo ainda mais o espectador nesse universo que, apesar de futurista, carrega traços profundos de tradições milenares.

A relação de *Duna* com o Islã, portanto, vai muito além de simples referências estéticas. Frank Herbert construiu um universo que, ao refletir a realidade cultural e espiritual do Oriente Médio e do Islã, permite uma análise complexa e profunda da interação entre religião, política e ecologia. Em um mundo onde a luta pelo poder, a espiritualidade e a ecologia se entrelaçam de maneira tão visceral, as influências islâmicas oferecem uma lente pela qual podemos entender tanto as motivações dos personagens quanto os desafios que eles enfrentam.

O Islã e as tradições árabes em “Duna” não são apenas uma camada exótica que enriquece a narrativa, mas uma parte fundamental do cerne da obra. Desde a construção de Arrakis como um planeta desértico, que ecoa os desafios da vida no deserto do Oriente Médio, até as referências diretas ao messianismo e ao conceito de jihad, a influência islâmica está em cada fibra do universo de *Duna*.

Em epítome, no cinema, essas influências são traduzidas visual e sonoramente, criando uma experiência que mantém a essência do que Herbert construiu em seu romance original, mas ampliada para uma audiência global que pode reconhecer e se conectar com essas referências culturais profundas.

Prof. Dr. Adelcio Machado dos Santos
Crítico de Arte

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